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Mas por que falar de amor? Uma perspectiva analítico-comportamental

O amor permeia as melodias, as narrativas literárias, o cinema e a poesia; é um elemento essencial em nossa sociedade e na essência de cada um de nós. Contudo, mesmo diante de sua onipresença, por que tendemos a praticar o oposto? Qual o motivo de recorrermos com tanta frequência à coerção em vez de empregarmos o amor – concebido aqui como um reforço positivo – em nossas interações sociais?

À primeira vista, pode parecer incomum abordar o tema do amor em um contexto de Análise do Comportamento, especialmente para os que não estão familiarizados com o modelo. Contudo, é importante destacar que o conceito de “amor” desempenha um papel significativo, sendo inclusive incorporado e encorajado em várias intervenções comportamentais em diversos cenários. Skinner, por sua vez, esclarece a ideia da seguinte maneira, amplamente reconhecida: “O que é o amor (…) a não ser um outro nome para o uso de reforçamento positivo (…) ou vice-versa” (Skinner, 1987, p. 296).

É importante destacar que, de acordo com esta conceituação, não estamos nos referindo apenas ao amor sexual, mas sim a um contexto social específico que é principalmente guiado por reforço positivo. Isso ocorre quando um comportamento resulta em uma consequência que mantém ou aumenta sua frequência, intensidade ou duração, tornando mais provável sua repetição no futuro. Esse contexto pode ser encontrado em diferentes situações, como relações conjugais, interações entre pais e filhos, amizades e até mesmo na relação terapêutica analítico-comportamental. Certamente, qualquer definição de amor pode ser limitada devido às suas diversas interpretações sociais, uma vez que o amor não é um sentimento único, mas sim um conjunto de emoções muitas vezes ambíguas.

Ainda, é importante salientar que o que chamamos de amor é uma definição funcional, ou seja, é um fenômeno relacional entre comportamento e as suas consequências, e não uma topografia – a forma do comportamento. Ao tomarmos o amor como um outro nome para o reforço positivo (especialmente o natural – produto direto de um comportamento), também iremos concluir que não amamos a alguém, mas ao comportamento de alguém, o que obviamente transforma este alguém em um estímulo altamente reforçador (Skinner, 1991).

Skinner, seguindo a lógica de sua teoria selecionista (Skinner, 2007), descreve três tipos de amor: Eros, Philia e Ágape (Skinner, 1991).

O amor pode ser visto de três formas:

  • Eros: ligado à seleção natural, envolve preservação da espécie e comportamento sexual ou parental.
  • Philia: associado ao que é reforçador para o sujeito, podendo ser direcionado a coisas, artes, lugares, assuntos e tipos de pessoas.
  • Ágape: amor cultural, expressa apreço pelo comportamento altruísta dos outros, invertendo a direção do reforço.

Essas características evidenciam que o amor, primordialmente, é uma emoção recíproca (“eu te fortaleço, e você me fortalece”, e assim por diante).

Uma distinção importante é que nem todo reforço positivo é “amor”. O reforço pode ser natural (contingente) ou arbitrário, dependendo se a consequência é produzida diretamente pelo comportamento (Skinner, 1982). Por exemplo, o reforço natural é mais poderoso do que o arbitrário, sendo este último mais visível. No contexto do amor, os reforços naturais são os mais significativos. (Tsai et al., 2008).

O amor também pode ser cultivado por meio de uma educação que reforce os laços afetivos, em contraste com a abordagem tradicional, que frequentemente se baseia em punições e busca a padronização (Sidman, 2011; Skinner, 1975). Na busca por reduzir custos e riscos, a adoção de um modelo educativo padronizado pode resultar em desafios como o aumento da taxa de abandono escolar, conflitos entre os alunos e uma menor aceitação do ambiente escolar. Professores dedicados desempenham um papel fundamental na promoção do desenvolvimento criativo e ético dos estudantes, fomentando a motivação e o interesse pela aprendizagem (Skinner, 1975).

Devido aos efeitos negativos da punição, analistas têm historicamente explorado alternativas ao controle aversivo para promover o desenvolvimento e manutenção de repertórios comportamentais. Nesse contexto, o reforço positivo, representado pelo afeto, surge como uma alternativa viável ao emprego da coerção como método de ensino. Um repertório baseado em reforço positivo contingente, ou natural, tende a ser mais adaptável e não está associado aos efeitos negativos da punição (Sidman, 2011). Contudo, o impacto desse reforço nem sempre é imediato. Mesmo que sua magnitude seja significativa, sua ocorrência futura nem sempre será mais provável devido ao seu retardo.

A partir da premissa de que uma resposta definitiva a esta questão seria tanto incompleta quanto simplista, a comunidade de analistas comportamentais propôs algumas sugestões. É inegável que, devido ao impacto marcante da coerção sobre o comportamento dos agentes punitivos e à natureza coerciva da estrutura da nossa sociedade, que se baseia em grande parte na punição (com a maioria das nossas leis e normas sendo intrinsecamente coercivas), uma sociedade desprovida de punição é, em essência, utópica (Sidman, 2011). Qualquer tentativa de transição para uma sociedade menos punitiva frequentemente encontra resistência cultural, embora isso não invalide a implementação de mudanças nas nossas relações mais próximas.

O amor também pode ser cultivado por meio de uma abordagem educacional reforçadora, apesar de a educação tradicional frequentemente adotar uma postura punitiva e homogeneizadora em sua essência (Sidman, 2011; Skinner, 1975). Em busca de redução de custos e mitigação de riscos, muitas vezes, a escolha recai sobre um modelo educacional padronizado, que carece de estímulos positivos, resultando em desdobramentos problemáticos, como evasão escolar, conflitos, desinteresse pela instituição escolar e, em casos extremos, aversão aos ambientes educativos e redução da dedicação aos estudos. Nesse contexto, destacam-se os educadores que buscam identificar nos alunos aquilo que naturalmente os motiva. Ademais, um professor afetuoso pode desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de um repertório criativo, ético e colaborativo nos estudantes, preservando sua motivação para frequentar a escola e estimulando o amor pelo conhecimento (Skinner, 1975).

Manter relações não-coercitivas e reforçadoras é fundamental para fomentar a intimidade e fortalecer os laços relacionais, contribuindo para o cultivo de afeto, confiança e segurança em uma variedade de relações, desde as conjugais até as parentais e de amizade (Cordova & Scott, 2001; Tsai et al., 2008).

Uma questão pertinente é se a criação de uma cultura amorosa é algo simples de se alcançar. De acordo com a literatura da análise do comportamento, a resposta geralmente é negativa. Tanto nossa cultura quanto a própria natureza nos condicionaram de forma intensamente coercitiva, resultando em um repertório significativo de punições, esquivas e fugas (Sidman, 2011). Talvez a mudança não seja simples, requerendo treinamento e conscientização sobre os efeitos das punições diárias que impomos a nós mesmos, bem como das consequências do amor ao próximo (Skinner, 1987).

No entanto, apesar dos desafios que possam surgir no processo de estabelecer uma cultura baseada no amor, é fundamental reconhecer que cada ato de bondade e compaixão contribui significativamente para a criação de um ambiente acolhedor e afetuoso. Ao incorporarmos a empatia e a solidariedade em nossas rotinas diárias, estamos plantando sementes que têm o potencial de florescer e se espalhar para além de nós mesmos. Cada gesto de gentileza, independentemente de sua magnitude, possui o poder de transformar não apenas a vida de quem o recebe, mas também de quem o realiza.

Fonte: comportese.com

Referências

Cordova, J. V., & Scott, R. L. (2001). Intimacy: A behavioral interpretation. The Behavior Analyst, 24(1), 75–86.

Sidman, M. (2011). Coerção e suas Implicações. São Paulo: Livro Pleno.

Skinner, B. F. (1975). Tecnologia do ensino. (R. Azzi, Trad.). São Paulo / SP: E.P.U / EDUSP.

Skinner, B. F. (1982). Contrived reinforcement. The Behavior Analyst, 5(1), 3–8.

Skinner, B. F. (1987). Walden II: uma sociedade do futuro (1o ed). E.P.U.

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. (A. L. Neri, Trad.). Campinas / SP: Papirus Editora.

Skinner, B. F. (2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 9(1), 129–137.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follette, W. C., & Callaghan, G. M. (2008). A Guide to Functional Analytic Psychotherapy: Awareness, Courage, Love, and Behaviorism. Springer Science & Business Media.

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