O comportamento humano não é um “sintoma” de algo oculto dentro da pessoa, nem um espelho fiel de um suposto estado interno de bem-estar. Na perspectiva do Behaviorismo Radical, ele é, antes de tudo, um produto da história de seleção por consequências: aquilo que o ambiente reforça tende a se repetir; aquilo que produz custo, perda ou punição tende a ser evitado (Skinner, 1953; 1974). Isso não reduz o ser humano a uma máquina — pelo contrário: amplia nossa capacidade de compreender como repertórios complexos (inclusive sociais) se formam, se mantêm e, principalmente, como podem mudar.
Ao longo da vida, cada pessoa aprende, em diferentes contextos, quais respostas “funcionam”. Em ambientes sociais, “funcionar” frequentemente significa ser aceito, evitar rejeição, manter pertencimento, preservar imagem. E aí aparece um ponto crucial: respostas emitidas em contextos sociais nem sempre refletem satisfação, tranquilidade ou coerência subjetiva. Muitas vezes, refletem apenas o que foi selecionado — seja por reforçamento social (atenção, elogios, aprovação, oportunidades) ou por esquiva de estímulos aversivos (críticas, humilhação, conflito, exclusão).
Reforço social, esquiva e a construção de repertórios “eficazes”
Em grupos, famílias, escolas e empresas, é comum que a aceitação esteja condicionada à emissão de certos repertórios: ser “forte”, “produtivo”, “agradável”, “bem-resolvido”, “sempre disponível”. Quando essas respostas são consistentemente reforçadas, o indivíduo aprende a emiti-las com precisão — mesmo que, internamente, sua experiência seja de medo, exaustão, tristeza ou raiva.
Isso não acontece porque sentimentos e pensamentos sejam irrelevantes. No Behaviorismo Radical, eventos privados (sentimentos, imagens, lembranças, pensamentos) são parte do comportamento do organismo e pertencem ao mesmo mundo natural que os eventos públicos; a diferença é que são menos acessíveis à observação por outras pessoas e, por isso, entram em contingências sociais de modo indireto (Skinner, 1957; 1974). O que frequentemente ocorre é outra coisa: certos contextos não reforçam a expressão honesta desses eventos privados (ou até a punem). Assim, a pessoa aprende a priorizar o que “dá certo” socialmente, relegando a experiência subjetiva a um papel secundário — não por ela não existir, mas porque não é o que o ambiente seleciona.
Quando o “eu público” se separa da experiência: menos variabilidade, mais rigidez
A manutenção prolongada desses repertórios pode produzir dois efeitos comuns:
- Empobrecimento da variabilidade comportamental: a pessoa passa a responder sempre do mesmo jeito (“eu aguento”, “eu resolvo”, “eu sorrio”, “eu não incomodo”). Só que variabilidade é matéria-prima da adaptação. Sem variação, há menos chance de encontrar novas formas de contato com reforçadores e menos flexibilidade para lidar com mudanças (Baum, 2017).
- Afastamento funcional entre comportamento público e eventos privados: o que se faz e o que se sente deixam de “conversar”. A pessoa pode emitir um repertório socialmente impecável, enquanto vive uma experiência interna de tensão crônica, vazio ou desesperança. Isso não é uma “falha intrapsíquica” misteriosa; é um efeito direto de contingências que privilegiam a adaptação instrumental (manter aprovação e evitar perdas) em detrimento da coerência experiencial.
Em termos simples: quando o ambiente reforça muito bem o desempenho e reforça muito mal a autenticidade (ou a pune), o organismo aprende a performar. E performar pode ser útil no curto prazo — mas caro no longo.
Sofrimento como produto de controle excessivo e rigidez comportamental
Sob o Behaviorismo Radical, o sofrimento psicológico frequentemente emerge não pela mera presença de emoções aversivas, mas pelo modo como a pessoa passa a se relacionar com elas e, sobretudo, pela rigidez comportamental gerada por contextos altamente controladores (Skinner, 1974; Hayes, Strosahl & Wilson, 2012). Se a vida vira um grande programa de esquiva — evitar desconforto, evitar falhar, evitar desapontar — a pessoa pode até “funcionar”, mas começa a perder acesso a fontes mais amplas de reforço: lazer, intimidade, exploração, criatividade, descanso, espiritualidade, brincadeira, aprendizagem.
Além disso, repertórios mantidos por reforçamento social imediato (aprovação rápida, validação, status) tendem a reduzir a sensibilidade a reforçadores menos imediatos e mais profundos (vínculos consistentes, projetos de longo prazo, autocuidado, valores). Com o tempo, o organismo fica “treinado” para o curto prazo: alívio agora, mesmo que o custo apareça depois.
A análise funcional como caminho: menos culpa, mais precisão
É aqui que a análise funcional se torna decisiva: em vez de perguntar “o que há de errado comigo?”, perguntamos “o que está mantendo isso?”. Quais são os antecedentes? Quais consequências reforçam o padrão? Que perdas acontecem quando a pessoa tenta agir diferente? Que regras sociais (“se eu disser não, vão me rejeitar”) estão governando o comportamento? (Skinner, 1953; Iwata et al., 1994).
Esse tipo de formulação tem um efeito clínico e ético importante: desloca a explicação do campo moral (“fraqueza”, “falta de vontade”, “problema de personalidade”) para o campo das contingências. Isso não retira responsabilidade; retira culpa improdutiva e adiciona possibilidade de intervenção.
Mudar não é “parar de sentir” — é reorganizar contingências
A mudança, portanto, não se dá pela simples supressão do comportamento (“não pense assim”, “não sinta isso”, “não aja desse jeito”). Ela ocorre pela reorganização das condições ambientais que tornaram aquele repertório necessário e pela construção de alternativas que também sejam reforçadas (Skinner, 1953; 1974). Em termos práticos, isso pode envolver:
- ampliar repertórios (assertividade, pedir ajuda, tolerância ao desconforto, contato com reforçadores naturais);
- reduzir contingências punitivas para a expressão legítima de limites e necessidades;
- alterar fontes de reforçamento (menos dependência de aprovação imediata, mais contato com reforço consistente e significativo);
- promover flexibilidade: responder ao contexto com variação, e não com piloto automático.
Em outras palavras: muitas vezes, o problema não é que a pessoa “sente demais”, mas que aprendeu a viver sob um conjunto estreito de contingências que a obriga a agir sempre do mesmo modo. E quando a vida fica estreita, o sofrimento costuma ser uma consequência previsível.
Referências
- Baum, W. M. (2017). Understanding Behaviorism: Behavior, Culture, and Evolution (3rd ed.). Wiley-Blackwell.
- Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Acceptance and Commitment Therapy: The Process and Practice of Mindful Change (2nd ed.). Guilford Press.
- Iwata, B. A., Dorsey, M. F., Slifer, K. J., Bauman, K. E., & Richman, G. S. (1994). Toward a functional analysis of self-injury. Journal of Applied Behavior Analysis, 27(2), 197–209. (Trabalho original publicado em 1982).
- Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. Macmillan.
- Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Appleton-Century-Crofts.
- Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. Knopf.




